Dever e sacrifício

O jornal Expresso publica hoje uma entrevista ao militar Comando Aliu Camará. Hoje com vinte e três anos, Aliu chegou a Portugal com doze. Ingressou nos Comandos em 2016. Na sua segunda missão na República Centro-Africana sofreu um acidente que lhe retirou a mobilidade: as duas pernas de Aliu foram amputadas devido a ferimentos. 

O caso de Aliu está a provocar uma reacção por parte chefias militares. Pretende-se que todos os militares que fiquem feridos durante o decorrer da sua actividade, e que daí resulte incapacidade física, sejam integrados nos quadros permanentes das Forças Armadas. Aliu, que é militar em regime de contrato, veria assim a possibilidade de continuar nos quadros e de ter garantido trabalho para o resto da sua vida. 

Aliu, hoje, na capa do Expresso.

Aliu, hoje, na capa do Expresso.

Só peca por tardia esta medida. 

E esse é, ainda, um problema: é apenas uma intenção. E Portugal, tal como o Inferno, está cheio de boas intenções. A tradicional burocracia portuguesa, acompanhada de uma tão comum e disseminada indiferença, tende a fazer cair no esquecimento medidas semelhantes. Aliu é um. Um entre vários portugueses que juraram com o sacrifício da própria vida defender a bandeira nacional. E fizeram-no, dando tudo aquilo que tinham. E a palavra “tudo” é bastante bem medida aqui. Deveria envergonhar-nos como Nação só agora estar a ser ponderado algo deste género.

A bola, agora e como se costuma dizer, está do lado do campo político. E também do lado das chefias militares, convém não esquecer. Que, se fizerem o que lhes compete, se forem minimamente competentes, se forem Homens de carácter, com coragem, e se forem independentes, farão tudo para que a medida avance. E que avance rápido. 

Aliu é Português. Aliu é militar. Aliu é Comando. E sempre será. E sem as duas pernas diz que sairá do Hospital Militar de pé. Disso não há nenhuma dúvida. Porque ali, naquele rapaz nascido na Guiné, está a verdadeira definição de garra e perseverança. Não só sairá de pé como sairá muito mais elevado que tantos outros que o deveriam defender. 

É que Aliu cumpriu, com brio, o seu dever. 

E nós Nação, vamos cumprir o nosso? 

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Foto de capa: Exército Português

Bem vindos de volta

622 980 km²

Esta é a área da República Centro Africana. Isolada no meio do continente africano este país é de uma dimensão quase idêntica à da França. Nele, e ao longo dos últimos meses, vários militares portugueses assumiram a função de Força de Reacção Rápida da missão das Nações Unidas.

Ontem, a 11 de Março, chegaram a Portugal os cercas de cento e oitenta elementos da nossa quarta força destacada, constituída maioritariamente por Paraquedistas do Exército e alguns (essenciais) elementos da Força Aérea Portuguesa.

 Aqui, a mais de quatro mil quilómetros de distância, é-nos difícil entender a enormidade da responsabilidade, da missão e do perigo por eles enfrentado. Numa imensidão de país, em terreno extremamente difícil e em condições atmosféricas infernais, aqueles pouco menos de duzentos portugueses fizeram efectivamente a diferença. Estiveram em combate por diversas vezes. Libertaram cidades e aldeias. Resgataram civis e repuseram a ordem. E fizeram-no sempre com um profissionalismo e dedicação que devia encher o peito de cada português de orgulho.

Paraquedistas portugueses em combate na cidade de Bambari. Foto via Diário de Notícias.

Paraquedistas portugueses em combate na cidade de Bambari. Foto via Diário de Notícias.

 Nós, por cá, com o bom tempo a chegar, céu limpo e uma vida tranquila, discutimos futebol, uma música do festival da canção ou novos programas de televisão. Gastam-se rios de tinta e horas de emissão com temas que, tenho de admitir, são no mínimo superficiais. Andamos hipnotizados numa espécie de ilusão colectiva que nos impede de ver – e reconhecer – aquilo que é importante e aqueles que entre nós merecem a nossa admiração.

E aqueles cento e oitenta portugueses mais do que merecem a nossa.

Haverá sempre quem critique. Quem mande abaixo. E quem interrogará sobre o porquê. Porque independentemente da razão e da legitimidade – e sim, estamos integrados numa força das Nações Unidas a cumprir um mandato internacional para protecção da integridade física de uma Nação e dos seus cidadãos – viverá sempre no meio dos portugueses um vil e ignorante “velho do Restelo”.

Mas os actos ecoam mais alto que as palavras. E, volto a repetir, num país várias vezes superior a Portugal aqueles militares fizeram a diferença. Tomara eu que muitos compatriotas meus os tomassem como exemplo. Pela garra, pelo profissionalismo e pelo orgulho de servirem Portugal. Porque é preciso alguém especial para arriscar a vida ao serviço da Nação em prol dos outros.

E vocês são-no.

Bem-vindos de volta.

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