Competência

Portugal tem tido nas últimas décadas uma relação de indiferença (para não dizer outra palavra mais ofensiva) com as suas Forças Armadas. Era comum – fosse no mundo real, fosse no digital – a existência de comentários incompreensivelmente jocosos. Mas mais impressionante que esse facto, é a resposta que sempre foi dada pela instituição castrense: cumprir a missão com brio.

O Diário de Notícias publicou ontem, dia 09 de Maio, uma interessantíssima reportagem sobre o Vice-Almirante Gouveia e Melo e a task-force de vacinação que comanda. Nela é acompanhado o dia-a-dia da task-force e do seu comandante, coincidindo com o exacto momento em que é atingido um marco histórico: as cem mil inoculações diárias. É importante não relativizar a imensidão da tarefa logística que isto representa. Da coordenação necessária, do planeamento obrigatório e da incessante avaliação do progresso.

Foi notório que assim que o Vice-Almirante Gouveia e Melo ficou responsável pelo programa de vacinação à COVID-19 em Portugal, terminou o uso do mesmo como arma política – que era a mais abjecta forma de lidar com este problema. E embora a excelente capacidade operacional dos militares possa doer a algumas franjas da sociedade (e é importante lembrar que o Vice-Almirante até foi criticado por usar farda camuflada, como se esta não fosse a sua farda de trabalho ou como se não estivesse no seu direito como militar) a verdade é que passámos a ter frontalidade nas declarações e eficiência no processo. Só espanta é como é que não foi assim desde início. Pode ser que o poder política tenha tirado – mais uma vez – as ilações necessárias.

Ainda se vive neste país com um qualquer complexo, que admito, não sei explicar, com as Forças Armadas. Está na altura de, finalmente, terminar com ele. Pois mais uma vez elas responderam como melhor sabem: com competência.

E essa é uma qualidade que faz desesperadamente falta a este país. Cada vez mais.

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(Foto de capa: Global Imagens)


Homenagem

(Escrito em Janeiro de 2015)

Acabo de ver o filme “American Sniper”. Pondo de parte o presente “americanismo” a parte final do filme (início dos créditos) fez-me fazer um paralelismo com a realidade nacional. Na forma como nós, portugueses, honramos quem serviu o seu país. 
 

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Faz um anos, ainda era eu oficial da Força Aérea, fui nomeado para comandar um pelotão na guarda de honra em um funeral de um General que tinha falecido. Verdade seja dita, para nós, pilotos, este género de serviço eram tudo menos desejado. Queríamos voar, voar e voar. Os nossos treinos de ordem unida era tudo menos frequentes. Mas antes de pilotos éramos militares. E ainda bem que assim o é. 


No dia estabelecido lá estávamos. Dois pelotões, impecavelmente formados, à entrada do cemitério do Alto de São João. Na hora estabelecida – e estando a urna a escassos metros da entrada do cemitério – a polícia parou o trânsito e formámos na estrada para prestar a devida homenagem com três salvas de G-3. 
Qual não é o meu espanto quando um popular, sentado na paragem de autocarro mesmo ao lado da formatura, começa a vociferar a plenos pulmões a sua indignação. “É uma vergonha” dizia. “o que é que aquela pessoa tinha a mais que ele para estar aquilo ali montado”. “Estou à espera do autocarro e quero ir para casa”. Entre outros comentários bem menos agradáveis. 
É-me impossível de descrever a raiva que me invadiu naquele momento. Vinda do mais fundo do meu ser. Daquela que nos consome. Que nos faz morder o lábio. Mas a disciplina e a rigidez militar fez que não me mexesse. Que não abrisse a boca. Nem eu nem nenhum dos militares ao meu lado. E prestámos a nossa homenagem. Não demorou mais do que três minutos. Três minutos que alguém não estava disposto a abrir mão como sinal de respeito a alguém que serviu o seu país durante mais de 40 anos. Alguém que lutou pela sua Pátria. Alguém que viveu em combate em meu nome, em nome de todos nós, em nome da nação. 

A forma como tratamos quem nos serve a todos, como país, adefine-nos como povo. Militares, polícias, bombeiros, são tantas vezes injustamente acusados em praça pública. São os chulos. Os que nos “roubam o dinheiro dos impostos”. Quando na realidade estão lá, no duro, todos os dias, dispostos a dar o melhor de si por todos nós. E mesmo que esse respeito não existisse em vida, ao menos que existisse na hora da partida...

Vejo o final do filme. Aquela homenagem nunca seria possível no meu país. E relembro aquele momento de há anos. Baixo a cara. Desta vez não de raiva. Mas de vergonha.